Mais um Lar pra chamar de meu

Diário da Gilmara na Irlanda

O apartamento para onde me mudei era minúsculo. Uma sala que se mesclava com a cozinha, um quarto apertado que abrigava duas beliches e um banheiro compacto que ficava dentro do quarto. O sofá era a minha cama e a sala era o depósito para as minhas malas. Eu compartilhava com quatro amigas e ajudava nas contas. Enquanto isso continuava nas buscas desesperadamente por um quarto para chamar de meu. A sensação de desconforto era constante, ás vezes me sentia como uma intrusa no espaço já ocupado por elas.

Apesar do aperto e das adversidades, minhas amigas eram verdadeiros anjos na minha vida. Não tem como não ser clichê nessas horas. Muito solidárias, parceiras e pacientes com toda a situação, mas o destino ou a mera coincidência reservaram uma reviravolta inesperada para nós. Poucos dias depois uma das minhas amigas, enfrentou um problema de saúde que exigiu sua imediata volta ao Brasil. Foram dias difíceis e incertos, marcados pela preocupação com a saúde dela.

E um capítulo inusitado dessa história aconteceu: a vaga deixada por ela na casa acabou sendo preenchida por mim. Aquilo que inicialmente parecia uma situação incômoda e temporária tornou-se a solução para o meu problema de moradia. Não seria mais necessário competir com meus antigos companheiros de casa por anúncios de quartos disponíveis. Apesar de ter sido sob circunstâncias delicadas, a mudança proporcionada pela partida de uma amiga inesperada acabou se transformando em uma oportunidade de uma nova fase pra mim.

E de novo é o universo, a vida desafiando meus sentimentos. Era uma mistura de alívio e uma tristeza por ter que passar por mais uma despedida e por ocupar uma vaga de alguém especial que precisou interromper sua jornada na Irlanda e a minha chance de me estabilizar no país novamente. A cama e uma parte do guarda-roupa agora eram meus. Agora seríamos apenas 4 garotas no apê. Uma realidade que nem tinha passado pela minha cabeça.

Enquanto eu passava por essa transformação os outros 11 da casa anterior também estavam na luta, muitos conseguiram vagas, outros ficaram de favor em casa de amigos por mais tempo. Acredito que teve até gente que precisou pagar por hostel (que é tipo um hotel com quartos compartilhados) onde o valor é mais acessível por noite, mas que não é uma solução definitiva.

E quando eu disse no episódio anterior que esse perrengue foi um “divisor de águas” nas nossas vidas é porque passar por tudo isso em plena época natalina e inverno rigoroso fez muita gente repensar sobre viver na Irlanda, tendo que se submeter a situações como essa. Cansa, desanima, desgasta. Te coloca em conflito, dúvida. Será que vale a pena mesmo viver dessa maneira? Larguei o conforto da minha casa no Brasil e o aconchego dos meus familiares para “sofrer” assim…

Mas esse é o dilema de qualquer intercambista ou estrangeiro que decide morar fora. E é nesses desafios que a gente aprende e as vezes até cai na real do que realmente queremos pro nosso futuro. Eu vi muita gente voltar pro Brasil. Seja por vontade própria, por não se adaptar ou porque a temporada fora tinha um prazo mesmo. Ou por motivos maiores como de saúde como foi o caso da minha amiga. No meu caso, apesar dos questionamentos (óbvio) decidi me dar mais uma chance de treinar minha resiliência e minha força. De ter esperança, de arriscar, de continuar testando meus limites.

Por Gilmara Bezerra

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