Diário da Gilmara na Irlanda
Era quarta-feira e eu tinha que estar na casa da família ás 8h30. Eles saem pra trabalhar e levar os filhos na escola por volta desse horário, então era minha chance de conhecê-los. A conversa foi bem rápida. O pai e as crianças logo saíram e a mãe foi quem ficou um pouquinho mais e logo confiou à Eweline o papel de ficar comigo nesse dia por mais ou menos uma hora me mostrando e explicando o que era necessário fazer e como a mãe gostaria que o serviço fosse feito.
Confesso que me deu um pouco de frio na barriga. Eu tenho “experiência” de limpar uma casa, mas prestar esse serviço para outra pessoa, ser paga por isso é uma sensação totalmente diferente. Tem hora marcada e uma lista de tarefas para cumprir dentro daquele tempo. A casa era enorme e cheia de itens de decoração e o medo de quebrar ou de esquecer de arrumar do jeito que a mãe espera? Fora a responsabilidade de estar sozinha cuidando do lar de uma família. Eu tinha uma chave só pra mim.
Eram dois andares, três banheiros, três quartos, escritório, sala de estar, sala de jantar, cozinha e lavanderia. E na lista de tarefas tinha que trocar toda a roupa de cama de cada quarto, tirar a poeira de todos os móveis e cômodos da casa, passar aspirador e passar pano onde precisasse. A cozinha e os banheiros são os que tomam mais tempo porque a limpeza tem que ser mais profunda e detalhada. Se tiver roupas acumuladas pra passar ferro, ela pagaria uma hora a mais pra fazer isso.
Eweline me deu dicas e estratégias pra conseguir fazer tudo no tempo determinado. Começar pelo primeiro andar, limpando os quartos e escritórios. Um detalhe que é bem diferente do Brasil é que nas camas da Irlanda tem um edredom de inverno pesado que é bem dificil de manusear na primeira tentativa. Tirar a capa é fácil, mas “vestir” o duvet (edredom) de novo é um desafio, principalmente quando ele é para cama de casal. Assisti ela fazendo o serviço e fiz minha tentativa que demorou mais do que o esperado, mas no primeiro dia é assim mesmo, ela me disse.
Os quartos dos meninos (8 e 12 anos) era uma bagunça a parte. A mãe diz que ensina e os orienta a manter arrumado, mas nem sempre isso acontecia. Então tinha sempre roupas espalhadas, brinquedos e livros fora do lugar. Troca toda roupa de cama de novo, tira o pó e aspira tudo e assim também fiz no escritório que apesar de pequeno tinha muitos objetos e lembrar de colocá-los no lugar certo depois de passar o pano no “corre-corre” da limpeza foi complicado.
E chegou a hora dos banheiros. Outra curiosidade sobre esse parte das casas na Irlanda é que eles não tem ralo na parte de fora do chuveiro/banheira. Então a limpeza tem que ser feita a seco. O que significa: usar um pano, spray com os produtos específicos e sair “polindo” a pia, o vaso sanitário. Só na parte do chuveiro/banheiro você consegue lavar, esfregando bem enxaguando com água toda a sujeira do box e das paredes. No piso usar o “mop” (que no Brasil seria o nosso rodo com um pano pra limpar o chão).
Desce as escadas já aspirando cada degrau para otimizar tempo. Países frios tem a maioria do chão dos comôdos cobertos por carpete que retem calor, mas por outro lado acumulam muita poeira/sujeira e cada vez que o aspirador sugava, meu nariz pedia socorro com a rinite alérgica atacada com tanto pó circulando no ar. Mas vida que segue e o relógio contra mim.
A essa hora, Eweline já tinha me deixado sozinha e me faltava apenas uma hora pra terminar toda a parte do andar de baixo da casa. Eu tive que “voar” entre a sala de estar e de jantar e partir pra cozinha o mais rápido possível. Afinal eu tinha microodas e forno para deixar brilhando. As louças do café da manhã era só colocar na lava louças e a geladeira só uma limpeza mais artificial. Na lavanderia, era só colocar as roupas de cama para lavar. Roupas secas e limpas, dobrar não era obrigatório e meu tempo ja tinha esgotado.
Nesse dia, tinham 4 camisas sociais para passar e para falar a verdade, o ferro de passar nunca foi meu amigo. Eu já estava no limite do meu tempo, mas decidi tentar deixar 3 camisas prontas e acabei passando do meu horário 40 minutos. Acho que eu poderia ter avisado a mãe que eu passei do tempo ou pedir hora extra, mas era meu primeiro dia e eu achei melhor não falar nada, afinal a faxineira dela anterior era capaz de terminar tudo em 4 horas, ou seja, eu sabia que para a próxima semana eu teria que ser mais rápida e eficiente.
Foram quase 5 horas de sufoco e trabalho duro, sem intervalo. Saí de lá atrasada para minha aula de inglês e com dor por todo o corpo. No caminho fiquei pensando se esqueci de fazer algo, se deveria ter limpado melhor tal parte da casa, se a mãe ia me ligar reclamando de alguma coisa. A aula me distraiu pelo resto da tarde até eu receber uma mensagem da mãe dizendo “thank you for today. I sent you the money” (obrigada por hoje, eu depositei o seu dinheiro). E ali estava meus primeiros euros na conta: 56 euros.
Continua…
Por Gilmara Bezerra
