O fim de mais um ciclo

Diário da Gilmara na Irlanda

A mudança para o novo apartamento foi cansativa. Era pequeno, o quarto ficou meio apertado para o tanto de coisas que eu e ele tínhamos. Dividíamos a casa com um casal de romenos e um irlandês. A cozinha era menor do que eu gostaria, mas pelo menos o banheiro não precisávamos dividir com ninguém, já que o meu quarto era uma suíte. Estávamos aliviados e esperançosos de poder viver em paz.

Os primeiros dias foram tranquilos. Surgiram algumas intrigas ao longo dos meses. A mulher do outro casal parecia ser a dona da casa e ficava incomodada com a nossa presença na cozinha. Eles sempre estavam recebendo visitas e cozinhando. Era difícil ter privacidade. Som muito alto e reclamações se não usássemos a cozinha do jeito que ela gostaria. Estava mais fácil viver fora de casa.

Enfim, minha rotina continuava a mesma: faculdade o dia todo de segunda a sexta e no fim da tarde/noite e aos fins de semana algum babysitting ou faxina que surgisse. O ponto de ônibus era bem na frente do prédio, o que era muito conveniente, embora o novo apartamento ficasse ainda mais longe do centro da cidade. O tempo de deslocamento aumentou para 1h, mas nada que eu não pudesse administrar.

As aulas estavam ficando cada vez mais desafiadoras. Entre projetos, provas e a pressão constante, sentia uma insegurança sem fim. Tentava me concentrar e manter a calma, mas às vezes era difícil não me sentir sobrecarregada e duvidando do meu potencial. E batia também a frustração de estar fazendo um curso que não era bem o que eu queria. Dentre este e outros motivos o meu relacionamento também começou a desmoronar.

Depois de quase um ano o nosso namoro chegou ao fim. Foi doloroso. Passaram-se dias para que os dois pudessem processar aquela situação e ter certeza que não tinha mais solução. Eu me sentia péssima por ter me colocado nessa situação vulnerável. Comecei a me culpar. Tive que ser forte, engolir o choro e me mudar daquele apartamento o mais rápido possível. O jeito era pedir ajudar já que não tinha muitas economias

Expliquei minha situação para a mãe das crianças que eu cuidava e por uma semana, fui morar de favor na casa deles. Ela foi muito acolhedora, mas eu sabia que não podia ficar lá por muito tempo. E mesmo ela dizendo que eu não precisava ter pressa, uma amiga também me ofereceu abrigo por mais duas semanas. Esses dias foram essenciais para eu colocar minha cabeça no lugar e pensar nos próximos passos.

A faculdade já nem estava mais nos planos. Parei de frequentar as aulas para poder traballhar o máximo que pudesse para me sustentar até conseguir uma vaga de casa para morar. Minha ideia era também conseguir um Au pair (babá que mora na casa da família) porque assim não precisaria pagar aluguel. Eu não sabia ainda o que iria fazer no futuro, no caso, quando o meu visto acabasse.

Finalmente, depois de muitas tentativas, uma boa notícia. Consegui um trabalho de au pair! Isso significava que teria um lugar para morar e uma nova oportunidade de trabalho. A mãe me deu uma ótima referência e a nova família me escolheu. Eram 4 crianças, as gêmeas de quase dois anos, o menino de 6 anos e a mais velha de 8 anos. Minha primeira experiência convivendo praticamente 24h com uma família irlandesa.

A mudança trouxe um misto de medo e entusiasmo, mas estava pronta para enfrentar o que viesse. Na verdade, eu não tinha muita escolha. Ou era ficar até o fim do visto de estudante ou ir embora de volta para o Brasil. E pelo menos ficando eu poderia tentar juntar uma grana e ter mais perspectiva e alternativas do que fazer da minha vida.

Por Gilmara Bezerra

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