Os pickpockets e os anjos na Terra

Diário da Gilmara na Irlanda

Sabe aquela sensação de ter levado um soco no estomago e você fica sem ar e perde os sentidos por alguns segundos? Foi assim e com uma pitada de desespero que eu me senti quando vi que a minha mochila estava aberta e a minha carteira tinha sumido. O que aconteceu? Como eu não percebi isso? Ainda tinha uma fila de gente entrando no ônibus e eu só pedi licença e desci correndo em direção da escola prestando atenção em todo o caminho que percorri. Meu pensamento na hora foi de que talvez tenha esquecido na sala de aula.

A escola já estava quase vazia, subi as escadas, abri a porta da sala e meu olhar já percorreu cada canto do ambiente e nada da minha carteira. Abri a mochila novamente, tirei tudo de dentro e pensei que talvez tivesse um buraco, um rasgado em que a carteira pudesse estar escondida. Nem sinal. Vazio. Sem acreditar minha esperança era achar alguém na recepção ou diretoria para perguntar se alguém achou e devolveu alguma coisa e a resposta foi: não.

Perguntei se podia usar o banheiro e ela disse que em 10 minutos eles estariam fechando tudo. Ok. A essa altura eu só chorava. 400 euros, meu cartão do banco e meu cartão “money card” onde o estudante traz os euros pra Irlanda e que já não tinha muito porque eu já vinha usando para pagar as despesas estavam “desaparecidos”. Quando a moça da escola me viu naquela situação, ela me orientou a cancelar os cartões e fazer um boletim de ocorrência na polícia.

Eu estava tão atordoada que nem conseguia pensar em nada, só em como eu ia pagar meu aluguel?? Como eu ia recuperar o dinheiro?? Já na saída da escola novamente, uma amiga me ajudou a ligar para os números e fazer o cancelamento dos cartões e me acompanhou até a Guarda Station mais próxima. Entre engolir o choro e achar as palavras para explicar ao policial tudo que aconteceu, ele logo me disse: “We have been dealing with a lot of pickpocket cases lately in city centre” (Nós temos lidado/recebido muitos casos de “bate carteira” aqui no centro).

Pois é, a única explicação para a minha situação é que enquanto eu estava na fila do ônibus alguém discretamente abriu a mochila e furtou minha carteira. Quando eu fiz o saque na hora do intervalo e voltei pra sala de aula eu não saí de perto da minha mochila até o fim da aula, então era improvável que isso tenha acontecido na escola. Os policiais tiveram certeza que aconteceu naquela fração de segundos que eu me preparava para entrar no ônibus. A Dame Street realmente fica ainda mais lotada em horário de pico, 6h da tarde com muita gente saindo dos seus compromissos e indo pra casa.

Eu comecei a me culpar tanto, por não ter sido mais cuidadosa. A essa altura do campeonato eu já imaginava que seria praticamente impossível recuperar o dinheiro. Talvez a carteira pudesse ser abandonada em algum lugar e alguém a devolveria na polícia. Isso é até muito comum de acontecer na Irlanda. Na própria delegacia eles falaram que acumulam achados e perdidos. Mas como em todo o lugar tem as exceções eu fui a vítima da vez de uma pessoa que não tinha intenção de me devolver minhas coisas.

Minha amiga tentava me acalmar dizendo que ao menos não sofri violência. E por um lado era um alívio. No Brasil eu já fui assaltada com uma faca apontada na minha barriga e também empurrão e arranhão. Também já arrombaram minha casa e por pouco não sofremos ameaça. Em 5 meses de Irlanda eu estava me sentindo “tão segura” que relaxei e não pensei em outras possibilidades de roubo. Na Irlanda realmente são poucos os casos de violência. Até a polícia de rua deles não usa armas. Existe um problema social grave de pessoas viciadas em álcool e drogas que acabam virando moradores de rua e vivem de furtar pessoas sem agressividade muitas vezes.

Fiquei até quase 8h da noite na delegacia esperando alguma notícia, algum milagre na verdade. Eles disseram para eu ir para casa e que qualquer novidade me ligariam. Pois bem, cheguei arrasada em casa, não consegui nem disfarçar. Eu não conseguia parar de chorar. Eu tinha que dar o aluguel pro Tom até no máximo no dia seguinte e eu não tinha mais dinheiro para receber e nem cartões para sacar o resto que me sobrou. Pra comer eu ainda tinha algumas coisas na geladeira e no armário.

E como não só de gente ruim o mundo é habitado, meus housemates foram anjos na minha vida e me ajudaram com um pouco de euros cada um para inteirar o pagamento do meu aluguel daquele mês. Eles me salvaram e eu sou muito grata por isso. Eu nunca tive retorno da polícia. Mas a lição ficou: “todo cuidado é pouco”.

 Por Gilmara Bezerra

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Uma resposta

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