Diário da Gilmara na Irlanda
Ás 4h da manhã o celular despertou. Apesar de estar no volume mais baixo e eu ter sido rápida na hora de desligar escutei meu roomate se mexer um pouco na cama de baixo. Acontece. Dividir quarto é isso. Tentar ao máximo não incomodar. Mas é impossível ser totalmente silenciosa ao se movimentar por um cômodo pequeno e estreito. Eu já tinha deixado minha roupa separada e todos os meus itens de higiene pra fazer a troca e a limpeza no banheiro para não precisar ligar a luz do quarto.
No banheiro eu também tinha que ser rápida porque éramos 3 pessoas se preparando para ir trabalhar naquele horário. O banho eu tomei no dia anterior já para adiantar minha vida. A roupa tinha que ser toda preta. A maioria dos empregos aqui na Irlanda exigem essa cor pelo menos nos primeiros dias até o fardamento (se necessário) for providenciado. O ônibus para a minha sorte passava na porta de casa. Era só atravessar a rua e estava marcado para chegar ás 5h.
Eu terminei de me arrumar muito rápido e até pensei que poderia ter dormido mais. Fiquei igual um zumbi esperando na sala os minutos passarem pra descer até a parada de ônibus junto com o Rodrigo, o amigo que me indicou para o trabalho. Não me programei para tomar café da manhã. Não sinto muita fome nesse horário. Até pensei que deveria levar um lanche, mas como a minha aula era só a tarde, meu plano era terminar o serviço e passar em casa antes.
Chegamos no ponto e já tinham mais pessoas esperando o mesmo ônibus 46A. A jornada ia levar quase uma hora e ele ia parar bem na entrada da UCD, a faculdade. Era só o tempo de descer e sair correndo para bater o ponto e começar o trabalho. Como esse transporte é um dos primeiros da região e tem muita demanda ele costuma chegar na hora. Embarcamos e uma curiosidade: além de lotado na parte de cima e de baixo (sim, os ônibus na Irlanda tem dois andares) eu só ouvia diálogos em português! Ou seja, a maioria dos passageiros eram brasileiros.
Grande parte deles também estava indo para o mesmo destino e outros desceriam durante o percurso. Um pedaço do Brasil dividindo as mesmas batalhas de morar no exterior: acordar cedo e trabalhar em empregos que não eram o que faziam na cidade natal. Enfim chegamos no destino final, 10 minutos antes das 6h da manhã. Escuro como se fosse noite ainda e um frio congelante. O sol só vem lá pelas 8h da manhã. O ônibus saiu praticamente vazio. A maioria dos passageiros foram e espalhando pelo campus da Faculdade.
Rodrigo foi o responsável por me levar até a área onde eu iria trabalhar. O lugar é gigante. Parece um labirinto. Chegamos no prédio de aulas variadas. Um grupo de cleaners já a postos com seus produtos só esperando as orientações finais. Fui apresentada ao grupo e o supervisor deu as primeiras instruções. São várias salas de aulas, salas de professores, banheiros e laboratórios. Limpeza a seco é o de praxe. Borrifa o produto e limpa com pano.
Tem as salas/depósitos onde ficam todos os produtos de limpeza e máquinas. Em duplas divididos por corredores, nós íamos limpando ambiente por ambiente. Tira o pó de tudo, aspira o chão, troca as lixeiras, arruma as cadeiras e assim por diante. Onde tem piso sem carpete pode passar o mop (esfregão com água e desinfetante). Os banheiros são sempre o pesadelo de qualquer faxineiro. Muitas surpresas desagradáveis, mas não temos escolha a não ser segurar a vontade de vomitar e sair de lá o mais rápido possível.
Quando as horas vão se aproximando das 9h alguns escritórios começam a ser ocupados por professores, secretárias. E acabamos ficando um pouco constrangidos de atrapalhar e até perdidos de como agir no meio deles. Todos são muito educados, dão bom dia e dizem pra gente ficar à vontade. Alguns talvez sob pressão do dia parecem não estar muito confortáveis com a nossa presença circulando pela sala, fazendo barulho. Com o tempo a gente acostuma a otimizar e organizar o serviço sem incomodá-los muito.
Meu primeiro dia foi intenso. Muitas coisas novas para aprender e de novo, aprender a ser mais ágil, rápida para terminar tudo na hora certa. Me atrapalhei um pouco no final como sempre. Temos que guardar todo material que usamos nos depósitos e colocar os panos sujos nos lugares certos e isso também conta como tempo de trabalho. O que todos querem é estar saindo as 9h em ponto. Até porque muitos estudam inglês pela manhã e tem que correr para pegar o ônibus e chegar ao menos atrasados possível já que as aulas já teriam começado.
Eu como estudava a tarde e ainda não tinha outro emprego para ir depois naquela segunda feira, me dei o “luxo” de pegar o mesmo ônibus e voltar pra casa. A sorte do momento era essa facilidade de locomoção. Apenas um transporte acessível na porta do trabalho e na porta de casa. Isso faz diferença na vida corrida de um estudante. E eu estava só começando a minha jornada no mercado de trabalho irlandês, conciliando com aulas. Mais euros precisariam entrar na minha conta…
Por Gilmara Bezerra
Uma resposta
Absolutely brilliant!! Can’t believe you had to get up so early. You are so resilient. And in the cold and dark aswell. Wow!!! And then you had to go to study after. I have so much respect for that. It’s amazing to read this. Thanks so much for sharing your experience.