Diário da Gilmara na Irlanda
Ainda na primeira noite na casa 368, com muitos questionamentos na cabeça, decidi então focar em desfazer as malas e minimizar a bagunça pelo menos até o dia seguinte. Dividir o quarto com outra pessoa é ter bom senso, empatia e eu não podia passar a noite resolvendo isso, sendo que o meu roommate (companheiro de quarto), iria chegar a qualquer momento para dormir/descansar. E para minha sorte como ele viu que eu tinha mais coisas, eu acabei ficando com uma parte maior no guarda roupa.
Pacientemente, entrei na fila do banheiro, que nada mais é que perguntar quem está na vez e se colocar como o próximo. Um dos banheiros era maior e mais concorrido, principalmente pelas mulheres que gostam de mais espaço para lavar os cabelos. Também improvisei uma janta que era o que sobrou das compras que eu fiz no outro apartamento: um arroz de microondas feito em 2 minutos e um pacote de frango empanado de forno que levaria 15 minutos.
Revezei o forno com mais duas pessoas e assim que ficou pronto só fiz meu arroz e comi ali na mesa de oito cadeiras. Fiquei imaginando como seria se os 12 decidissem comer ao mesmo tempo (um caos? Risos de desespero). Mas tinha um sofá e uma poltrona que no fim completaria o número de assentos para 12 pessoas. Fiz minha refeição em meio ao vai e vem de homens e mulheres, conversando e me atualizando um pouquinho da rotina e vida de alguns deles na Irlanda.
Só para contextualizar, até para quem nunca teve a experiência de dividir casa com “estranhos”, é preciso existir uma organização e separação de espaços para ajudar na dinâmica do bom convívio. Então, nas duas geladeiras e no freezer delas cada morador tem seus espaços, assim como nos armários da cozinha para guardar seus mantimentos. Nos quartos, os ocupantes que decidem em acordo de forma justa como irão acomodar seus pertences. Todos nós tínhamos que fazer milagre para evitar desordem ou invasão do espaço do outro.
Assim também é feito com os afazeres de limpeza. Um apartamento com uma dúzia de adultos juntos precisa de um esquema para manter tudo limpo e em ordem. Toda semana uma dupla era responsável por fazer a manutenção da limpeza dos banheiros, cozinha e trocar os lixos. Lógico que cada um que usa esses ambientes tem que fazer a sua parte quando termina de cozinhar por exemplo: lavar toda sua louça e não deixar coisas fora do lugar. Mas o par da semana faz a higienização profunda como passar pano no chão, esfregar e enxaguar esses cômodos de uso comum.
Mas para que tudo isso funcione de verdade, em um lugar como esse, sempre tem alguém que vai se destacar, que está disposto a manter a harmonia, a intermediar/administrar conflitos e que faz questão que as regras sejam cumpridas. E eu já mencionei que essa pessoa era o Tom. Ele também tinha contato direto com o landlord (proprietário do apartamento) em caso de necessidade de reparos ou problemas relacionados as contas e aluguéis e cuidava da caixinha de despesas da casa para compra de produtos de limpeza em geral.
No outro dia de manhã, como eu só tinha aula tarde, ouvi muita movimentação do pessoal se arrumando/preparando para sair de casa. Uns iam para escola, outros trabalhar. Pelo o que consegui perceber, a maioria sai de casa cedo e só volta a noite, então, o banho por exemplo ou até o uso da cozinha tem uma ordem já estabelecida entre eles, mas com gente nova sempre entrando há uma flexibilidade. Se não der pra tomar banho de manhã muda para a noite, ou deixa as comidas pré prontas. Tem que estar sempre buscando novas estratégias.
E essa era a minha visão de dentro da minha nova rotina. Era hora de sair para fora e ver como era a minha vizinhança e me fazer parte dela. Por ficar em um cruzamento de duas avenidas, temos muitas opções de mercados e lojas, alguns deles são: Spar (loja de conveniência), Tesco (supermercado), Boots (Farmácia), EuroGiant (Loja de artigos em geral muito baratos), além de bares e restaurantes e lanches de fast food como Mc Donalds and Eddie Rockets. Sem contar na facilidade e variedade de transporte público (ônibus em especial).
É praticamente uma cidade grande dentro desse pedacinho de Dublin 7 com um pouco de tudo que precisamos. Até tem um hospital há poucos metros de casa, uma estação da garda (polícia irlandesa) com uma prisão e o Blessignton Park. Enfim, saber e viver tudo isso dia após dia morando naquele apartamento e naquelas imediações ia me trazendo um alívio interno. Apesar de sermos seres humanos imperfeitos, diferentes e estarmos submetidos a compartilhar um apartamento desproporcional para aquele número de moradores, ainda era possível manter um nível de respeito e cuidado com o lar.
Continua…
Por Gilmara Bezerra